Eu não o vi ir embora aquele dia, o meu anjo, como o chamava
em pensamentos. Ninguém me perguntara sobre ele novamente, por vezes eu
começava a me perguntar se ele realmente existira e realmente estivera lá,
parecia uma lembrança distante. Os dias passaram, um por um, gostaria de poder
dizer como me recuperei, talvez ensinar alguma coisa para você, mas não é
possível explicar. Como disse anteriormente, a dor era minha, e ninguém saberia
como suportá-la por mim. E se você passasse por exatamente tudo o que passei,
ainda não diria que a nossa dor fora igual. As dores são únicas e todas as
lágrimas derramadas também.
O tempo foi passando, de alguma maneira inexplicável, pois
na minha cabeça tudo estava parado. Demorou um tempo para voltar a escola,
demorou um tempo para voltar a vida aos eixos, um termo injusto para mim, já
que não há como voltar a nada. Era como pensar em um carro de repente se sentir
obrigado a tocar em frente com uma roda a menos. É claro que é possível andar
sobre três rodas, existem triciclos, bem como bicicletas e monociclos, mas um
carro é feito com base em um equilíbrio de quatro rodas. Parecia-me muito
injusto sermos obrigados a viver em três de repente e sermos obrigados a
procurar nosso próprio equilíbrio, sabendo que sempre faltaria uma quarta roda,
com aquele vazio nos encarando.
Não irei detalhar todo o processo que me levou até aqui, até
porque esse não teve data de expiração, só um começo turvo e embaralhado, uma
lembrança que a cada dia me parecia mais uma fantasia. Passaram-se dias, semanas,
meses e sim, se passaram anos. Aquela data horrível que me marcara fazia aniversários,
algo tão injusto a se pensar. As fotos e as memórias já não envelheciam mais,
ficariam para sempre como estão, intactas.
Nos aniversários daquela data sempre revivia de novo o que
acontecera. Era como se um filme passasse na minha cabeça, e eu não era capaz
de mudar uma palavra sequer, lembro-me especialmente das palavras vindas de um
completo desconhecido, que nunca mais vira, mas que nunca fora esquecido. “O
tempo cura”, ele me disse. Engraçado, eu nunca soube quanto tempo foi
necessário, ou se sequer eu me curei. Era tudo uma dúvida, bem como a
existência daquele “anjo” para mim. Lembro de ter desejado encontra-lo
novamente e conversar. Talvez ele entendesse a minha dor, mas ao mesmo tempo me
parecia loucura. Nada mais eu sabia além de seu nome. Quem era aquilo garoto
afinal de contas?
Talvez você fique decepcionado ao te dizer que essa não é a
história de como perdi meu pai e como superei isso. Não haveria palavras do
mundo que pudessem contar essa história. Meu pai foi na minha vida, em toda sua
existência, e um bom tempo após ela um protagonista na minha vida. Mas não
aqui.
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