quinta-feira, 14 de agosto de 2008

"Eu sou semelhante a ele"


Ontem, como toda quarta à tarde, estava ajudando meu pai em sua papelaria, quando chegou um cliente, um advogado, que trabalha com casos trabalhistas e criminalistas, conversamos por um curto espaço de tempo e ele saiu, mas o que ele me disse não saiu.
Ele, que dissera que tinha que entregar enviar um envelope no correio local, disse que não agüentava mais, as pessoas faziam as coisas erradas e ele que tinha que cuidar delas depois. Ele disse que as pessoas já não tinham mais medo, que já era fácil ser solto da prisão, o que antigamente não era, que antigamente as pessoas temiam fazer coisas erradas e irem parar lá. Disse que era impressionante, pois lugar pior que a cadeia ainda estava para existir. Que era incrível que algumas pessoas conseguiam sair da prisão, 24 horas, 36 horas depois já estavam lá presas novamente. Ficava impressionado com isso.
Disse também que na época em que ia muito à cadeia, ao ver tremendo horror, ficava chocado; pessoas gritando, desordem total, desconforto, falta de higiene, falta de espaço sequer para dormir, disse que era necessário dormir em pé por falta de espaço. Contou-me que chegava a sua casa, tomava seu banho e ia para igreja e ficava cerca de duas horas por lá, orando, para não cair em tentação. O porquê que realmente me interessou.
Seus argumentos eram, “eu sou semelhante a ele”, “somos todos iguais”, “posso cair em tentação como ele”. Por isso ele orava, para que algum dia ele não caísse em tentação, não fizesse nada errado. Ele fora humilde, se considerou semelhante, ao invés de muitas pessoas que julgam presos como burros, vagabundos, folgados. Dão como julgamento que deviam morrer, e só. Não consideram sua humanidade, que todos somos iguais. Não pensam na possibilidade de que esse “vagabundo” possa ter sido uma pessoa certa, direita, uma pessoa do bem, ou melhor, talvez essa pessoa ainda seja. Não é o fato de você ir preso que te torna uma escória, consideremos também que a justiça brasileira não funciona perfeitamente, na verdade, o que não aconteceu com nenhuma. Tudo têm seu motivo, talvez ele tenha roubado por não ter mais opção, por passar necessidade, talvez ele tenha um motivo para matar, seus princípios não são os de todos. O mundo não gira em torno de você, como você deve pensar às vezes. Nem em torno de mim, muito menos de mim.
Talvez esse advogado pense assim após conhecer de perto a situação dos presos, mas somente TALVEZ. Porque, como discutíamos na aula de história que tive hoje, o sistema cria maneiras que TENTAM erradicar problemas, como preconceito, racismo, discriminação. O fato de que uma pessoa caucasiana passa a viver em um mesmo ambiente que uma pessoa negra não quer dizer que seu racismo não fora extinto. PODE SIM SER EXTINTO, mas não é garantia alguma.
Uma coisa à qual sou muito agradecida é o fato de que minhas apostilas, da Rede Salesiana de Ensino, visa mais ao pensamento, a criarmos nossas próprias opiniões, nos fazendo refletir, como ocorre na maioria das atividades e textos contidos nos livros, do que no aprendizado de termos e histórias que não terão sentido algum futuramente para nós. Sim, aprendemos a história da colonização, aprendemos as regras da gramática, aprendemos propriedades químicas, biológicas, aprendemos sobre estados, sobre sistemas. Mas não aprendemos só isso, aprendemos a pensar por nós mesmos, não apenas seguir esses conceitos, a criarmos os nossos. Aprendemos a ser gente. Foi algo que demorei bastante tempo para aceitar e entender, mas que é maravilhoso. Se esse advogado, sobre o qual lhes contei não tivesse ido além dos conceitos, além do que o ensinaram talvez ele não se achasse semelhante, talvez ele tivesse se tornado um deus para si mesmo. Um falso deus.

Um comentário:

g.winme disse...

Prova de que humildade vem com o tempo, e ele se torna até superior a nós, por ser humilde. Parabéns ao advogado.
E para as milhares de pessoas humildes nesse mundo tão individualista.